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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Encontro 03/11 : Mídia, Crime e Memória: Tecnologias de Gênero

Grupo Ilegalidades
Foto de Danúbia postada recentemente em uma rede social - Reprodução Referência: oglobo.com


No encontro do dia 03/11 iremos discutir o artigo de Lúcia Lamounier Sena e José Maria de Morais.Este estudo analisa a descrição da mídia e sua representação de mulher transgressora, a partir de Danúbia de Souza Rangel , citada pela mídia como mulher do Nem da Rocinha e Xerifa da Rocinha.Outra proposta deste estudo é, através das redes sociais apresentar a construção da Danúbia por ela mesma em redes sociais, apontando assim um discurso de celebridade das redes sociais. 


SENA, Lúcia Lamounier; MORAIS, José Maria de. Mídia, Crime e Memória: Tecnologias de gênero. 
  •         O batalhão de choque da polícia militar prende, no dia 10 de novembro de 2011, Nem da Rocinha, traficante de drogas do Rio de Janeiro.  Esse foi um evento amplamente divulgado e que ressaltou esse traficante chamando-o de "mestre" pela sua capacidade bélica e o negócio ilegal que lhe rendia uma alta renda. Em seu poder estavam um exército de 200 homens, renda de 3 milhões de reais ao mês com o tráfico de maconha, cocaína e estasy, além de cerca de 150 fuzis. Esse traficante tem ainda várias passagens pela polícia.
  •     Danúbia Rangel é presa pelo BOPE, Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, no dia 25 de novembro de 2017, fora presa em uma casa onde funcionava um salão de beleza. Esse foi um destaque dos jornais, o salão de beleza nada interfere na operação da polícia ou nos motivos pelo qual Danúbia estava sendo presa. Logo, a ênfase ao mesmo é apenas por esse estar, comumente, ligado à questão feminina.
  • ·    Danúbia Rangel é presa e isso é divulgado pela mídia como a mulher do Nem da Rocinha. Aqui, a divulgação não de alguém diretamente ligado ao tráfico e agente desse, mas de uma mulher que é alguém à sombra de outrem, ou seja, a imagem Danubia Rangel gira em torno da imagem do Nem da Rocinha, como se sem ele ela não fosse ninguém a ser noticiada.
  • ·      Além de ter ressaltado seu relacionamento afetivo com o traficante da Rocinha a mídia a construiu de outra forma que não ressaltando seu poder e sua atuação na favela e no tráfico, mas como mãe de uma das filhas do Nem; como "viúva negra", por ter sido mulher de dois outros traficantes assassinados; ressaltou sua beleza dentro do padrão, ou seja, seu corpo malhado, o cabelo liso, grande e loiro; seu lugar de "Xerifa da Rocinha", denominada assim pelo seu comportamento enérgico e ciumento para com as rivais; e, ainda, a ostentação de seu patrimônio físico e material nas redes sociais.
  •       Mulher no crime, especialmente no tráfico de drogas, é uma realidade que pode ser provada pelos documentos em presídios que evidenciam um expressivo dado quantitativo de mulheres encarceradas por tráfico de drogas. Mas esse é um dado não evidenciado pela mídia. Há uma essencialidade formada, que coloca a mulher do/no tráfico como a vítima e não como a atuante propriamente do negócio ilegal. Elas são destituídas, pelo meio de divulgação midiático, de seu papel de atuação, de "chefes" ou "mestras" do tráfico de drogas.
  •          A mulher no/do tráfico possui estereótipos naturalizados que as pré-determinam. Para a "mulher desviante" tem-se: a apaixonada, vingativa, sensuais, mãe, mulher fatal, vítima, iludida.
  • ·         O tráfico de drogas é um lugar de transgressão masculino, sendo as mulheres divulgadas como sujeitos passivos desse movimento, tendo a elas os papéis de companheiras, esposas, namoradas, mães. São papéis de passividade, não é uma representação que condiz com a realidade de atuação dessas nesse comércio ilegal.
  • ·         É preciso identificar essa representação de subalternidade feminina frente à temática do crime, especificamente do tráfico de drogas, e dar-lhes o poder de fala, evidenciar o seu papel de atuantes e não reforçar, também nesse campo de transgressão, os papéis de passividade e subalternidade. As mulheres, em vários contextos e épocas históricas, são sujeitos marcados pela não contabilização de seus feitos históricos. São sujeitos marcados por um silencio e exclusão da memória histórica-social. Nesse cenário do crime à a complicação que pode ser vista nessa pergunta: "Essas mulheres do/no tráfico de drogas, desemprenham feitos que são dignos de história, dignos de memória?" Assim, fica claro que a visibilidade proporcionada pela mídia é uma visibilidade moralista.
  • ·         A mídia é um recurso que fala sobre o outro, assim como a história que constrói esse outro. Tal construção é marcada por seleções, por escolhas de personagens, feitos e temas. Uma escolha não existe sem uma exclusão como consequência, logo, pode o subalterno falar? Quem opera essa mídia? Como opera? Quando opera? São indagações que ressaltam o processo de construção dessas representações e muito explicam sobre a imagem da mulher no crime representada pela inatividade.
  • ·         A construção de discursos é um poder de que goza a mídia. Sua divulgação é ampla e, por isso, é uma grande peça responsável pela construção do mundo social. Ela determina, pelo seu poder de convencimento, o certo e o errado, o aceitável e o inaceitável, o belo e o feio ...; dentro de uma capacidade que chega a naturalização de ideologias.
  • ·         "Os dispositivos midiáticos são considerados como uma espécie de memória social, ao mesmo tempo documento, representação e discurso construídos como acontecimentos e performatização de seus agentes. Sem dúvida, este é um campo atravessado pelas disputas sobre o discurso e o poder que lhe é correspondente, no sentido da constituição da verdade (ou da hegemonia) sobre o social." (p. 5)
  • ·         As diferenças de gênero podem também serem lidas na teoria marxista, a qual fala acerca do valor de uso dos corpos de trabalho, a mercadoria "força de trabalho". A forma de utilização, forma de atuação, desses corpos determinou aquilo que seria de atuação feminina e diferente da atuação masculina. A mídia se utiliza dessa diferenciação de atuação quando se refere ao tráfico, atribuindo para homens e mulheres formas de atuação distintas, sendo essas diferenças realizadas pela perspectiva sexista. Logo, temos que o homem no tráfico atua ativamente, sendo o chefe, sendo o controlador e dono de tudo; enquanto que a mulher possui uma atuação quase que de imagem, sendo a companheira desse. O gênero é o fator determinante na performance da atuação. É o que se chama de tecnologias de gênero, ou seja, os produtores e lugares de gênero, aqueles que determinam o lugar-ação do homem que é diferente do lugar-ação da mulher. Fazem isso de uma maneira hierarquizante, divulgam uma hierarquia sexista no tráfico de drogas. Crime e gênero, tratados pelo prisma da diferença.
  • ·         Danubia Rangel é destituída de seu protagonismo no tráfico de drogas, sua representação midiática gira em torno de algumas categorias de análise: "Xerifa e dona do morro", divulgada assim por seu temperamento enérgico e ciumento com suas rivais; "libidinosa", pelo seu corpo escultural e cabelo liso e loiro; "vítima", por falar que não se envolveu com o tráfico, mas com ele (o Nem); "Amor bandido", a ideia do fogo da paixão que a deixou cega e inconsciente do perigo e dos riscos que estava submetida.
  • ·         Por mais que ela receba uma denominação como "Xerifa da Rocinha" ou "Dona do morro", que a princípio podem parecer papel de atuação, a sua imagem assim não existiria sem a figura do Nem. É a ele que ela está ligada e dela ela depende para existir.
  • ·         A transgressora Danubia Rangel também teve sua imagem ligada à figura de mãe e esposa iludida, vítima de uma vaidade irracional e moralmente desviante.
  • ·         Pelas redes sociais que Danubia se construiu enquanto uma celebridade. Utilizando desse mecanismo, ela se construiu para o mundo a partir da ostentação de bens materiais, como jatinho, iate, joias e dinheiro; seu corpo escultural; companhia de pessoas famosas. Sempre sorrindo, ela se faz admirada por uns e odiado por outros. "A instrumentalização das redes sociais agenciada por Danubia fazem-na contemporânea de seu tempo: a fusão em que a máquina e as pessoas são expressões máximas da possibilidade de criação de si para a validação de qualquer espécie de interesse (afetivo, social, político e entre outros) é operada através da imposição de um eu maior, essencialmente feliz e superado na sua condição de ordinário. (SIBILA, 2016; SCHECHNER, 2006 apud SENA, MORAIS; p. 8)
  • ·         A imagem criada pela própria Danubia não condiz com a imagem da mulher no tráfico que a mídia divulga. Logo, quando essa foi presa, suas imagens do Facebook foram alvos de críticas e tidas como uma realidade irreal, algo que "caiu por terra". A ostentação gerenciada por Danubia foi, após sua prisão, divulgada de outra maneira, mostrando que o que o dinheiro do tráfico traz é uma ilusão, algo que não compensa. Como Danubia estava detida ela não pôde refutar, logo, essa foi a ideia que circulou, uma vez que fora a única.
  • ·         O Facebook foi um mecanismo que alimentou a celebrização de Danubia Rangel. Nele ela postava fotos e dizeres repletos de significação que dizem sobre ela e sua atuação. Danubia Rangel utiliza da cultura midiática de seu tempo, fazendo uma construção de seu cotidiano de forma digital e midiática.
  • ·         O poder de Danubia Rangel: "Danubia conseguiu, ao se unir e viver com nem, o chefe do tráfico de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, e utilizando-se de espaços midiáticos como o Facebook, tornou-se uma celebridade do seu meio, de modo que passou a ser chamado de 'Xerifa da Rocinha', passando a deter, assim, um poder baseado na imagem que foi conseguindo construir sobre si mesma a partir da relação com o personagem mais respeitado daquela comunidade no que diz respeito ao tráfico de drogas." (SENA; MORAIS, p. 11)
  • ·         O material midiático coletado do perfil do Facebook de Danubia mostra sua intenção de se aproximar do estereótipo de mulher da alta-sociedade, uma vez que sua imagem é de uma mulher loira, de corpo escultural e portando joias de valor significativo. A construção de sua imagem se distancia do seu meio, mulher de traficante da favela da Rocinha, para se aproximar de uma mulher respeitável da alta-sociedade carioca.
  • ·         O valor e o poder de Danubia encontram-se no ter, joias, passeios de iate e jatinho, roupas de grife, corpo escultural; os quais determinam o seu ser.
  • ·         "A intencionalidade de Danubia Rangel com a divulgação das imagens que contribuíram para sua celebrização e reconhecimento como 'Xerifa' foi reforçada pela publicação de fotos que mostram a ostentação da personagem a partir de recursos imagéticos de ampla utilização que dão visibilidade às celebridades socialmente reconhecidas, seja artistas, personalidades políticas, esportivas entre outras." (SENA; MORAIS, p. 14)
  • ·         Na cobertura jornalística acerca da prisão do casal, feita pelos jornais Extra e O Globo, as fotos de Danubia são aquelas do seu facebook, apresentando a Danubia tal como é reconhecida, tal como ela engenhou.
  • ·         Ao se trabalhar gênero, crime e mídia e suas relações, é indispensável que essa discussão considere as intersecções de raça, faixa etária, classe e segregação sócio espacial.
  • ·         A construção do discurso tem seu lugar de maior divulgação o meio midiático, por excelência. Os conteúdos sociais midiatizados abrangem uma complexidade de agentes que estão em disputa pelo direito de fala e participação na construção desse discurso a ser midiatizado.
  • ·         A mulher no tráfico é uma imagem construída pela mídia que se refere à mulher louca, apaixonada, iludida e vítima. Essa é uma imagem construída sócio historicamente, produto de uma mídia que se pretende hegemônica.


 Por: Letícia Azevedo 

Grupo Ilegalidades / Author

Este é um blog de compartilhamento de pesquisas referentes ao tema das ilegalidades, crime, violência e segurança pública do Curso de Ciências Sociais da PUC Minas.

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