
O Oscar 2017 traz uma grata particularidade: a categoria documentário. Parelhos em excelência, seus indicados também portam a similaridade da temática social. Se, em Vida, Animada, a linda relação de um menino autista com as animações da Disney contada pelo próprio pai destoa um pouco, o italiano Fogo no Mar, sobre o problema da imigração africana na Europa, toca na questão racial que une os concorrentes mais aclamados: a obra-prima O.J.: Made in America, o embasado A 13ª Emenda e o filme em questão, Eu Não Sou Seu Negro — o mais complexo.
Esta qualidade reside na voz de Eu Não Sou Seu Negro: o brilhante escritor e pensador James Baldwin. Com seu olhar expressivo (literal e figuradamente, no campo intelectual), Baldwin assistiu atônito a dois momentos cruciais de uma tragédia americana. O primeiro, a humilhação imposta a Dorothy Counts, primeira jovem negra a ingressar num colégio exclusivo para brancos. Eis o momento em que o racismo, catalisador de um exílio autoimposto na França, também motiva o retorno do autor aos Estados Unidos. O segundo foi o assassinato de Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr. O massacre dos três maiores líderes negros da década de 60 nos Estados Unidos foi a inspiração de "Remember This House", manuscrito nunca transformado em livro, mas em filme por Raoul Peck.
Portanto, Eu Não Sou Seu Negro tem a singularidade de adaptar um esforço ensaístico baseado em fatos históricos amplamente retratados em vídeo. Do mesmo modo, James Baldwin expôs seus pensamentos em diversos programas televisivos — o que, aliás, denota um outro momento da TV norte-americana. Pois Raoul Peck se apropria deste vasto material para montar o documentário com profundo respeito ao escritor, combinando trechos de suas entrevistas e palestras com as ideias contidas exclusivamente no manuscrito (e narradas muito sobriamente por Samuel L. Jackson) e imagens históricas, de ontem e de hoje (o que denota a atualidade de suas digressões).
A montagem, assim, articula com muita eficiência o conteúdo de Eu Não Sou Seu Negro. Um exemplo dessa constante é o momento em que James Baldwin examina que o mundo renega o sistema de realidade do negro. Em outras palavras, ele discursa sobre representatividade. Mas o diretor haitiano não trai o discurso sofisticado do crítico social; torna-o inteligível ao espectador mostrando o significado desse conceito. Assim, enquanto vemos John Wayne matar índios em um faroeste clássico, Baldwin explica o impacto disso na infância de uma criança negra: só mais tarde ela terá consciência de sua raça e entenderá que não é o herói fazendo justiça com as próprias mãos, mas os nativos, os selvagens, os "de cor" sendo chacinados.
Assim como não subestima a complexidade dos conceitos de James Baldwin, até conferindo um ritmo dinâmico ao longa-metragem (para plena assimilação, Eu Não Sou Seu Negro é um filme a ser visto e revisto), Raoul Peck ressalta a habilidade do escritor com as palavras, de criar frases de efeito (na melhor acepção do termo) e uma série de dicotomias para perceção do racismo. O preto que se manifesta: louco, uma ameaça. O branco: patriota. O ódio do homem negro: raiva. Raiva apenas. Um sinônimo que basta quando as imagens do documentário e o próprio cotidiano do espectador gritam desigualdade — motivo desse sentimento. O ódio do homem branco: terror social. Algo que existe só na mente do branco. Em suma: o negro é quem nunca fez nada para ser odiado.
As ramificações desse pensamento rumam ao clímax de Eu Não Sou Seu Negro, numa discussão entre James Baldwin e Paul Weiss no Dick Cavett Show. O fillósofo minimiza as distinções raciais de maneira simplista: "Todo homem é igual", numa fala em plena sintonia com os argumentos de quem hoje desmerece a militância negra ou prega o absurdo "racismo reverso". A resposta de Baldwin a esse "idealismo mágico" é uma tempestade sobre preconceito institucionalizado que tanto rebate a tese surtada de Weiss, dois meses após o assassinato de Martin Luther King Jr., como o deboche de jovens Brasil afora que hasteiam a bandeira do "geração mimimi" sempre que uma minoria levanta sua voz.
Esse grito à consciência é a grande força de Eu Não Sou Seu Negro. Mesmo quando chorou de raiva, não de tristeza, pela morte de Martin Luther King, James Baldwin nunca aderiu ao (dito) radicalismo de Malcolm X. Sempre razoável, sempre combativo, num movimento de ideias que congregam à empatia. "O futuro dos Estados Unidos depende de como tratamos o negro". "História não é passado, é presente". Mais que frases de efeito, conscientização, frases de convocação.
Eu Não Sou Seu Negro versa sobre um "desejo de pureza" que impede o homem branco de admitir suas falhas — ao contrário, o motiva a defendê-las selvagemente. Ao homem branco consciente, além de compreender o que se diz, resta a vergonha. Um mal-estar que se mantém para além da sessão desse poderoso documentário, e é muito positivo. Do desconforto, nasce a indignação. A palavra de ordem é nunca se conformar, com a desigualdade sobre si e sobre o outro. Nunca se calar, e muito menos calar quem sente o peso do preconceito. A "apatia moral" é o maior inimigo de James Baldwin.
Texto Retirado: < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-249783/criticas-adorocinema/ >
• Retoma os cadernos do escritor negro americano James Baldwin
• Reflexão sobre o sentido de ser negro em uma sociedade hegemonicamente branca
• 3 homens diferentes, 3 trajetórias que se contrapõem e se complementam
• Baldwin decide sair da França e ser ativista nos EUA
• Sente falta da cultura negra, de conexões; Harlem : mesmo como um estranho, estava em casa
• Percepção de que os brancos não agem cruelmente por serem brancos, “algo” os faz agir assim
• Representação negra nos filmes: Baldwin sentia que não era verdadeira, que mentia sobre a realidade
• Naturalização branca: o negro consome a cultura branca, que, nos EUA, excluía e várias vezes usava como entretenimento o ataque as outras etnias
• Baldwin compreende que os índios, no filme, também o representam
• Não se aliou aos movimentos; pensava que os brancos não eram maléficos
• É levado para o Index de segurança por suas publicações; é negro e “provavelmente gay” (como o Index o Identifica)
• Martin Luther king: amor e não violência; Malcom X: a luta negra não pode esperar e o negro não pode ser passivo
• Apenas uma figura feminina, a da menina que vai para a escola de brancos. (acho que seu nome é Lorraine)
• Baldwin tem o olhar de dentro da história (por ser negro, américano, ativista) e de fora (por ter vivido em Paris, ter vivenciado o processo de forma diferente.)
• Bowin e Malcom viviam a mesma realidade, porém os brancos consideravam Malcom um rascista e Baldwin não
• Massacre negro: Baldwin vê seus amigos e colegas morrendo (repressão pelo ativismo político)
• Segundo Baldwin, os EUA não sabem o que fazer com os negros: os usam e os matam
• São, porém, todos americanos. Mesmo povo, mesma carne. Os brancos não conseguem salvaguardar sua “pureza” sem se tornarem monstros
• Pureza branca: tentativa dos brancos de forjarem uma identidade
• Imagem negra nos cinemas
• Sexualidade: negros sexualizados, porém não considerados símbolos sexuais. Não eram reconhecidos
• Homem pulando do trem : os negros não odeiam os brancos (como uma forma de manter a consciência branca limpa?)
• Declarações e imagens que aliviam a consciência branca
• Pureza branca: tentativa dos brancos de forjarem uma identidade
• Baldwin declara que não é negro, que é um homem. Que os brancos intitulam o negro.
• Norma: BRANCOS; Preconceito: NEGROS, ÍNDIOS, OUTRAS ETNIAS
• Massacre e preconceitos legitimados pela manutenção da norma, pela pureza branca (FOUCAULT)
CRÍTICA AO FILME “EU NÃO SOU SEU NEGRO”; LANÇAMENTO 16 FEVEREIRO 2017; DIREÇÃO RAOUL PECK
“Eu Não Sou Seu Negro”,
talvez o melhor filme presente no Oscar 2017, é um documentário dirigido pelo
haitiano Raoul Peck (“O
Jovem Karl Marx”) a partir do manuscrito não finalizado de James
Arthur Baldwin (1924-1987), Remember
This House. O projeto visava contar a história da segregação dos
EUA a partir da figura de três ativistas assassinados num curto período de
tempo: Martin Luther King Jr., Malcolm X e Medgar Evers.
Mergulhando
na narrativa post-mortem dos
três ativistas sobre os quais se concentra, Baldwin abarca, até onde conseguiu
escrever para seu livro, o apagamento do massacre indígena na formação
americana (“fizemos um
massacre virar lenda”, escreve), ao mesmo tempo que dedica-se a
recuperar os passos de seus protagonistas. Assim, embrenha-se numa jornada
penosa cuja estrada é o racismo americano, dos evangélicos sulistas que dizem
que Deus perdoa “assassinos e criminosos, mas está furioso com a miscigenação”,
até os ideólogos que apontam que a “mistura de raças é comunismo”.
Dono
de uma narrativa rebuscada e dramática, Baldwin vai construindo, assim, teses
poderosas sobre o racialismo americano, como a de destruição do senso de
realidade do subjugado racial e a formação cognitiva do preconceito. Ele
próprio investigado pelo FBI por causa de seus livros, que versaram sobre as
relações interétnicas, teve seu nome indexado à lista de segurança nacional e
foi espezinhado em sua vida privada e intimidade sexual.
Misturando
um sobrevôo histórico pelos EUA com o lirismo dos escritos de Baldwin –
narrados de forma inspirada por Samuel L. Jackson (“Kong, a Ilha da Caveira”) –, o realizador
consegue construir um documentário não convencional que funde o presente e o
passado americanos numa narrativa ao mesmo tempo poética e de protesto.
Reconhecido
pelo público alternativo por outras produções menores, como Lumumba(2000), Peck
finalmente dá o salto merecido e esperado às grandes plateias, com uma obra que
ressoa não apenas no contexto contemporâneo dos EUA, como encontra analogias em
diversos cantos do mundo, como no Brasil.
Baldwin
não marchou até Selma, como Luther King, tampouco falava às multidões pregando
a ação direta, como Malcolm. Ainda mais importante: Baldwin conseguiu passar
dos 40 anos, os outros não. O escritor era um intelectual público, que debatia
com uma prosa inteligente e performática sobre a segregação racial diante de
grandes entrevistadores, como Dick Cavett (de onde sai, num momento muito
desconfortável, a inferência ao ótimo título desse filme). Figura estranha
dentro de seu contexto histórico, não se encaixando em nenhum lugar específico
no movimento negro americano (ele próprio afirma isso).
Certamente não foi à toa que o realizador escolheu
debruçar-se sobre um intelectual negro nesse filme que perscruta a formação do
preconceito racial americano, de seu período mais intenso – o da segregação
oficial e limitação dos direitos civis até os anos 60 –, até os episódios
recentes, como o de Ferguson, em 2014, quando o jovem Michael Brown, de 19
anos, foi assassinado por um policial branco no estado do Missouri. À certa
altura de sua narrativa, Baldwin confessa seu perfeito desinteresse pelos EUA:
“É triste perceber que aquele lugar em que você se localiza e sobre o qual se
identifica não criou nenhum sistema em que caiba você” – e isso aponta algumas
das razões pelas quais sua figura e obra não se tornaram tão grandes quanto
outras de sua geração, num país que coage ao nacionalismo.
Com
o excelente filme de Peck, essa figura ganha novo ânimo e, talvez, até novas
traduções e edições. Ainda mais importante, o debate sempre urgente sobre o
racismo e a violência permanece vivo em mais esse filme que nos mostra que
assistir é sempre apenas o começo.
Sobre o diretor
Raoul Peck (nascido em 1953)
é cineasta haitiano e ativista político . De março de 1996 a setembro de 1997,
foi ministro da Cultura do Haiti . Aos oito anos, Peck e sua família
fugiram da ditadura de Duvalier e se
juntaram a seu pai em Kinshasa , República Democrática do Congo (RDC).
Peck frequentou escolas na RDC (Kinshasa),
nos Estados Unidos ( Brooklyn) e na França ( Orléans ), onde obteve um bacharelado, antes de
estudar engenharia industrial e economia na Universidade Humboldt de Berlim . Ele passou um ano
como motorista de táxi da cidade de Nova York e trabalhou (1980-85) como
jornalista e fotógrafo antes de obter um diploma de cinema (1988) da Academia Alemã de Cinema e Televisão
de Berlim (DFFB) em Berlim
Ocidental .
Em 1986, criou a empresa de produção de
filmes Velvet Film na
Alemanha, que produziu ou co-produziu todos os seus documentários, filmes e
dramas de TV.
O diretor desenvolveu, inicialmente, curtas
obras experimentais e documentários sociopolíticos, antes de passar para
filmes. “ L'Homme sur les quais” ( The Man by the Shore ,
1993) foi o primeiro filme haitiano a ser lançado nos cinemas nos Estados
Unidos. Também foi selecionado para competição no Festival de Cannes de 1993 .
Atuou como Ministro da Cultura no governo haitiano do primeiro-ministro Rosny Smarth (1996-97), renunciando a sua posse, junto
com o primeiro-ministro e outros cinco ministros, em protesto contra os
presidentes Préval e Aristide .
Peck é
presidente da La Fémis , a escola de cinema do estado francês, desde 10 de janeiro de
2010. [11] Em 2012, ele foi nomeado membro do Júri
para o concurso principal no Festival de Cannes de 2012 . Ganhou o Prêmio de Melhor
Documentário no Festival de Cinema de Trinidad
e Tobago em 2013 para assistência fatal .
Fichamento
• Cineasta haitiano Raoul Peck• Retoma os cadernos do escritor negro americano James Baldwin
• Reflexão sobre o sentido de ser negro em uma sociedade hegemonicamente branca
• 3 homens diferentes, 3 trajetórias que se contrapõem e se complementam
• Baldwin decide sair da França e ser ativista nos EUA
• Sente falta da cultura negra, de conexões; Harlem : mesmo como um estranho, estava em casa
• Percepção de que os brancos não agem cruelmente por serem brancos, “algo” os faz agir assim
• Representação negra nos filmes: Baldwin sentia que não era verdadeira, que mentia sobre a realidade
• Naturalização branca: o negro consome a cultura branca, que, nos EUA, excluía e várias vezes usava como entretenimento o ataque as outras etnias
• Baldwin compreende que os índios, no filme, também o representam
• Não se aliou aos movimentos; pensava que os brancos não eram maléficos
• É levado para o Index de segurança por suas publicações; é negro e “provavelmente gay” (como o Index o Identifica)
• Martin Luther king: amor e não violência; Malcom X: a luta negra não pode esperar e o negro não pode ser passivo
• Apenas uma figura feminina, a da menina que vai para a escola de brancos. (acho que seu nome é Lorraine)
• Baldwin tem o olhar de dentro da história (por ser negro, américano, ativista) e de fora (por ter vivido em Paris, ter vivenciado o processo de forma diferente.)
• Bowin e Malcom viviam a mesma realidade, porém os brancos consideravam Malcom um rascista e Baldwin não
• Massacre negro: Baldwin vê seus amigos e colegas morrendo (repressão pelo ativismo político)
• Segundo Baldwin, os EUA não sabem o que fazer com os negros: os usam e os matam
• São, porém, todos americanos. Mesmo povo, mesma carne. Os brancos não conseguem salvaguardar sua “pureza” sem se tornarem monstros
• Pureza branca: tentativa dos brancos de forjarem uma identidade
• Imagem negra nos cinemas
• Sexualidade: negros sexualizados, porém não considerados símbolos sexuais. Não eram reconhecidos
• Homem pulando do trem : os negros não odeiam os brancos (como uma forma de manter a consciência branca limpa?)
• Declarações e imagens que aliviam a consciência branca
• Pureza branca: tentativa dos brancos de forjarem uma identidade
• Baldwin declara que não é negro, que é um homem. Que os brancos intitulam o negro.
• Norma: BRANCOS; Preconceito: NEGROS, ÍNDIOS, OUTRAS ETNIAS
• Massacre e preconceitos legitimados pela manutenção da norma, pela pureza branca (FOUCAULT)
Por : Luciana Láper
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